Em uma era em que a pressa domina o turismo e as passagens aéreas atingem valores recordes, o mar ressurge como alternativa de luxo silencioso. As viagens de balsa, antes vistas apenas como meio de transporte prático, voltam a ocupar o imaginário dos viajantes em busca de experiências imersivas, cênicas e sustentáveis. Navegar entre arquipélagos, cruzar lagos glamorosos ou deslizar por fiordes e gargantas alpinas revela uma Europa sob outra perspectiva, onde o caminho se torna tão fascinante quanto o destino.
O embarque já anuncia a magia. Do convés aberto, o vento salgado e o aroma do mar conduzem a uma atmosfera nostálgica. Janelas redondas enquadram ondas de espuma, enquanto o porão do navio guarda veículos e motocicletas lado a lado, como num microcosmo rodoviário flutuante. As balsas mais antigas encantam com carpetes retrô e cardápios de cantina que evocam memórias de uma era romântica de viagem. Já as embarcações modernas se aproximam do conceito de hotel-boutique, com spas, decks panorâmicos, restaurantes de alta gastronomia e cabines dignas de cruzeiros de luxo.

Mais do que conforto, uma nova era tecnológica navega junto. Investimentos recentes transformaram as rotas de ferry em símbolo de inovação verde. Há balsas elétricas, híbridas e até movidas a hidrogênio em operação, assim como terminais inteligentes que utilizam IA para otimizar embarques. A europeia E-Flexer já batizou uma dúzia de embarcações sustentáveis, e companhias como a DFDS prometem neutralidade de carbono até 2050.


A lista de rotas icônicas cresce a cada temporada. Uma das mais celebradas é a travessia noturna entre Estocolmo e Helsinque, onde o Silja Symphony parece um mini cruzeiro: promenade de compras, spa, shows ao vivo e uma seleção de restaurantes que inclui buffet com caviar e fonte de vinhos sem fundo. A bordo, quase mil cabines oferecem desde acomodações simples até suítes executivas para grupos de seis pessoas, enquanto o navio desliza pelo arquipélago cintilante sueco rumo ao Báltico.


A Escócia também guarda tesouros marítimos. O trajeto de Kennacraig a Islay dura pouco mais de duas horas, mas revela a dramaticidade do oeste escocês, entre montanhas recortadas e destilarias lendárias. A bordo, é possível degustar um “CalMac and cheese” com refrigerante Irn Bru, antes de brindar com um whisky local observando as silhuetas de Kintyre e Arran. Um pequeno desvio leva ainda à vizinha ilha de Jura, onde George Orwell escreveu “1984” em isolamento criativo.
Se a ideia é uma aventura mais prolongada, o Mar Egeu reserva o maior sistema de balsas do mundo. Saltar de ilha em ilha entre Santorini, Mykonos, Naxos e Paros é uma celebração de luz, mitologia e paisagens etéreas. No auge do verão, as multidões podem ser intensas, por isso destinos mais tranquilos, como Folegandros, Milos e Tinos, oferecem a mesma beleza com ritmo desacelerado. As balsas maiores têm decks abertos e bares com vista para templos e ruínas à beira-mar, enquanto os ferries rápidos permitem cruzar rotas longas em metade do tempo – embora com menos espaço ao ar livre.

Mais ao norte, o Mar do Norte reserva outra experiência inesquecível. Trocar o voo noturno Newcastle-Amsterdã por uma balsa DFDS significa embarcar em uma travessia de 15 horas, com jantar no bistrô North Sea, cinema, shows e cabines compactas, mas bem equipadas. A experiência de adormecer embalado pelas ondas e acordar com as primeiras luzes da costa holandesa é uma ode ao luxo simples.
Outros trajetos oferecem paisagens quase surreais. A navegação pelo Lago de Como, na Itália, é um espetáculo de serenidade: montanhas cobertas de pinheiros, vilas neoclássicas e jardins floridos vistos de um convés onde o tempo parece suspenso. Um passe diário de 15 euros permite saltar entre Bellagio, Varenna, Cernobbio e pequenas vilas como Torno, onde o Il Sereno se destaca como refúgio cinco estrelas à beira d’água.

Já no sudeste europeu, a Albânia surpreende. A balsa pelo Lago Komani é considerada uma das mais belas do mundo. Em apenas uma hora e meia, o trajeto cruza gargantas estreitas, paredões de pedra e águas azul-turquesa, conectando o remoto interior albanês a vilarejos como Theth e Valbona, paraísos de trilhas alpinas e pousadas de pedra.
Para quem busca sol e vibração mediterrânea, a costa dálmata croata e as ilhas espanholas também têm seus destaques. Um catamarã veloz liga Dubrovnik a Budva, no Montenegro, em pouco mais de duas horas, e outro trajeto conecta Ibiza a Formentera em apenas 30 minutos, revelando enseadas isoladas e reservas naturais de salinas que brilham em tons rosados.

Há ainda a experiência da La Méridionale, que desde 2022 opera a Piana, uma balsa de emissão zero que conecta Marselha à Córsega em doze horas de travessia noturna. O jantar a bordo privilegia produtos locais como lulas frescas e vinhos corsos, enquanto a chegada em Ajaccio ao som de canções tradicionais anuncia o berço de Napoleão.
Essas rotas são uma ode ao luxo da contemplação. Viajar de ferry é mais do que se deslocar; é desacelerar, absorver a paisagem e descobrir que metade da viagem está na travessia. Em tempos de turismo veloz e experiências superficiais, o mar oferece uma promessa de retorno ao essencial: sentir o caminho, não apenas alcançá-lo.