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Cidade Rosa revitalizada: o papel de Jaipur no renascimento criativo da Índia

No coração do Rajastão, onde muralhas de arenito ainda preservam o sopro de séculos, Jaipur se apresenta hoje como um dos centros criativos mais vibrantes da Índia contemporânea. A Cidade Rosa, cuja arquitetura cintila sob a luz do deserto e cujas tradições ecoam a grandiosidade dos antigos reis, vive um renascimento artístico que une passado, presente e futuro com rara harmonia. De palácios esculpidos como joias a ateliers experimentais, de mestres artesãos a designers globais, a capital histórica se posiciona como uma potência cultural em ascensão, capaz de acolher a herança rajput e transformá-la em linguagem universal.

O cenário dessa renovação começa ainda nos monumentos que moldaram a identidade local. O Hawa Mahal, com sua fachada rendilhada, continua como testemunha silenciosa do brilho da corte. O Jantar Mantar reafirma seu lugar no imaginário contemporâneo como síntese entre ciência e espiritualidade. As ruelas próximas ao City Palace revelam boutiques de design e restaurantes que reinterpretam a estética tradicional sem perder o charme ancestral. Jaipur, projetada há três séculos como um laboratório de ofícios diversos, assume novamente sua vocação original ao integrar artesãos, designers e pensadores em um ecossistema capaz de dialogar com o mundo.

Esse movimento tem lideranças ativas. Entre elas, destaca-se o jovem Maharaja Sawai Padmanabh Singh, conhecido internacionalmente por sua atuação nas artes e na preservação cultural. Formado em gestão de patrimônio e história da arte, ele ocupa papel central na projeção de Jaipur como cidade que valoriza o passado enquanto aposta no futuro. Ao seu lado está a curadora Noelle Kadar, cofundadora do Jaipur Centre for Art, instituição inaugurada em 2024 dentro das alas históricas do City Palace. Com 2.600 pés quadrados dedicados a exposições públicas, o JCA tornou-se rapidamente um polo de convergência criativa. Sua primeira celebração de aniversário apresentou a exposição “Fragility and Resilience”, da artista Ayesha Sultana, e a sexta edição do Sculpture Park, no Forte Jaigarh, fortalecendo a rota cultural que já inclui o Jaipur Literature Festival e o Jaipur Art Week, dois eventos prestigiados que retornam em 2026.

A cidade se energiza pelo encontro entre tradição e inovação. Antigos chattis karkhanas, as 36 oficinas especializadas criadas no período fundacional da cidade, continuam referência para muitos artesãos locais. Embora 11 desses ofícios sobrevivam formalmente, o espírito artesanal se reinventa em novas gerações de criadores que veem valor no trabalho minucioso, na preservação de técnicas e no diálogo com o design contemporâneo.

Nenhum nome simboliza essa continuidade de forma tão emblemática quanto o da família Kasliwal, fundadora da joalheria Gem Palace. Instalado na Mirza Ismail Road desde 1852, o antigo ateliê de joias da corte permanece como monumento vivo à excelência artesanal. Samir Kasliwal, nona geração à frente da marca, observa que a cidade nunca recebeu tantos visitantes interessados nos ofícios tradicionais. Se antes turistas dedicavam um ou dois dias a Jaipur, hoje muitos prolongam a estadia por até dez dias apenas para explorar suas técnicas e tradições.

O mesmo espírito se revela no novo Museu do Patrimônio de Meenakari, administrado pela House of Sunita Shekhawat. O espaço celebra a técnica secular de esmaltação sobre metais preciosos, desenvolvida e aperfeiçoada sob o patrocínio de Jai Singh II. Além das joias que consagraram a família, o museu apresenta objetos colecionáveis, como espelhos ornamentados e peças decorativas, que expandem o alcance da técnica para novas linguagens formais.

Esse movimento de reimaginação do artesanato ganha força em iniciativas como Nila House, instalada em um haveli restaurado. Dedicado ao patrimônio têxtil da Índia, o centro funciona como local de pesquisa e criação, abrigando ateliês onde artesãos, designers e estudiosos trabalham lado a lado. A diretora Anuradha Singh descreve o espaço como um arquivo vivo, capaz de preservar técnicas ancestrais, incentivar colaborações contemporâneas e compartilhar conhecimento com o mundo.

A renovação estética de Jaipur também se expressa nos projetos da designer holandesa Marie-Anne Oudejans, criadora dos interiores do Bar Palladio, da Villa Palladio e do novo Polo Palladio, dentro do Rajasthan Polo Club. Seus ambientes exuberantes, aliados à visão empreendedora de Barbara Miolini, consolidaram um estilo que mescla tradição local com imaginação cosmopolita, criando uma identidade visual que se tornou símbolo da nova Jaipur. A cidade, segundo Oudejans, abriga uma comunidade vibrante de criativos internacionais que encontraram nela um lar e um campo fértil para experimentações estéticas.

Esse atrativo cosmopolita se reflete também em marcas como IDLI, do designer francês Thierry Journo, que utiliza têxteis locais para criar moda e objetos com personalidade exuberante; e The Palace Atelier, no City Palace, que reinventa o artesanato local sob direção da princesa Gauravi Kumari e da criativa francesa Claire Deroo. A moda ganha ainda mais amplitude com a marca De Castro, da colombiana Virginia Borrero de Castro, que combina técnicas indianas tradicionais com influências globais e resultados contemporâneos.

Por trás de vitrines, ateliers e galerias, uma nova geração de mestres artesãos assume protagonismo. Frozen Music, fundada por Parth Seth, resgata técnicas lapidárias seculares ao combiná-las com tecnologia de ponta, tornando obras antes reservadas à aristocracia acessíveis ao olhar global. O mesmo impulso transformador está presente na Jaipur Rugs, onde Greg Foster identifica uma verdadeira revolução cultural. A empresa, fundada por NK Chaudhary com apenas nove tecelões, envolve hoje milhares de artesãos distribuídos por mais de 600 vilarejos. A abertura da Aspura Gallery colocou lado a lado peças contemporâneas e raridades antigas, reposicionando o artesanato rural como forma de arte.

Jaipur vive, assim, um momento singular em que memória e imaginação permanecem em permanente diálogo. Seu patrimônio não se limita a sobreviver, mas evolui. Expande-se. Conecta-se ao mundo sem abandonar suas raízes. E transforma uma cidade secular em um farol criativo capaz de honrar o passado enquanto ilumina, com cores vibrantes, os caminhos do futuro.

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