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Por que o beijo em público perdeu espaço entre a geração Z

Beijar em público saiu de moda? A pergunta pode soar provocativa, mas ganha contornos melancólicos quando observada à luz dos hábitos afetivos da geração Z. Em 2025, a cena de duas pessoas se beijando espontaneamente em uma pista de dança, encostadas na parede de um bar ou sentadas em um banco qualquer da cidade parece cada vez mais rara. Aquilo que durante décadas foi quase um ritual do sábado à noite hoje carrega um ar de nostalgia, como se pertencesse a uma outra forma de viver a noite, o desejo e o acaso.

A sensação de perda atravessa Hello, I Love You, livro do fotógrafo britânico Derek Ridgers que reúne imagens feitas, em sua maioria, no início dos anos 1980. As fotografias registram beijos despreocupados, captados sem aviso, em cinemas, pubs, clubes noturnos e até na areia da praia. São cenas que celebram o instante, a entrega e a ausência de cálculo. Um contraste evidente com a maneira como hoje nos relacionamos com o espaço público e com o próprio corpo.

Ridgers fotografava em um tempo em que sair à noite significava, muitas vezes, buscar encontros sem roteiro. Beijava-se alguém que talvez nunca mais fosse visto, ou mais de uma pessoa na mesma noite, não por performance, mas por curiosidade, por impulso, por experimentação. O beijo era parte do processo de descoberta, um gesto quase iniciático da vida adulta. Não havia filtros, registros imediatos ou a consciência constante de estar sendo observado.

Hoje, o cenário é outro. Aplicativos de relacionamento permitem avaliar compatibilidades antes mesmo do primeiro encontro presencial. A intimidade começa no ambiente controlado da casa, mediada por telas, mensagens e expectativas previamente alinhadas. O espaço público, antes palco do improviso, tornou-se um território mais vigiado e cuidadosamente encenado. A espontaneidade cede lugar à autopreservação da imagem.

A presença constante dos smartphones contribui para essa mudança. A possibilidade de ser filmado, fotografado ou exposto nas redes sociais torna qualquer gesto impulsivo um risco calculado. O que antes virava apenas uma história mal contada no dia seguinte, hoje pode circular em grupos de WhatsApp ou no Instagram em questão de minutos. A noite perdeu parte de sua liberdade porque passou a exigir consciência estética e controle narrativo.

Essa vigilância permanente afeta diretamente a cultura do beijo em público. Não se trata apenas de pudor ou mudança de valores morais, mas de um deslocamento mais amplo na forma como vivemos o desejo. O beijo deixou de ser um acontecimento efêmero para se tornar um potencial conteúdo. E, quando tudo pode ser registrado, muita coisa deixa de acontecer.

Ainda assim, seria simplista afirmar que a geração Z se diverte menos ou sente menos. As formas de prazer e conexão apenas se reorganizaram. Há outros códigos, outros espaços, outras linguagens. O que se perde, talvez, seja aquela sensação de abandono momentâneo, de estar fora do controle, entregue ao acaso da noite.

Ao folhear as imagens de Hello, I Love You, não é apenas o beijo que chama atenção, mas a atmosfera que o envolve. Uma vida noturna menos coreografada, menos consciente de si mesma, onde errar fazia parte da experiência e onde o ridículo não tinha consequências duradouras. Um tempo em que a noite não precisava ser documentada para existir.

Talvez beijar em público não tenha exatamente saído de moda. Talvez tenha se tornado um gesto deslocado em um mundo que exige curadoria constante da própria imagem. Ainda assim, ao observar aquelas fotografias, é difícil não sentir que algo essencial ficou para trás. Não o beijo em si, mas a liberdade de vivê-lo sem testemunhas, sem arquivos, sem medo.

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