Embora o Porsche 911 seja o modelo que tradicionalmente concentra a admiração dos entusiastas da marca, há um capítulo menos explorado na história da fabricante alemã que continua a despertar curiosidade e encanto entre colecionadores e aficionados por esportivos clássicos. O Porsche 914, fruto de uma parceria entre Porsche e Volkswagen sob a direção de Ferdinand Piëch, então responsável pela pesquisa e desenvolvimento da marca, foi apresentado em março de 1968 e entrou em produção no ano seguinte. Com motor central e um conceito que desafiava a tradição, o modelo representou uma proposta ousada em uma era marcada pela busca por novas soluções de engenharia e design.
Conhecido oficialmente como 914/4, o modelo original utilizava um motor boxer de quatro cilindros da Volkswagen, algo incomum para a Porsche, e ainda assim conquistou espaço significativo no mercado. Entre 1969 e 1976, foram produzidas mais de 115.600 unidades, embora o carro tenha dividido opiniões desde o lançamento. Entre críticos que viam nele um desvio do DNA da marca e admiradores que reconheceram sua leveza e comportamento dinâmico, o 914 consolidou-se como um esportivo com identidade própria, sobretudo pelo equilíbrio e agilidade proporcionados por sua arquitetura de motor central.

Com design assinado por Heinrich Klie, o 914 não se assemelhava a nenhum Porsche anterior ou posterior, o que contribuiu para sua singularidade. Essa mesma base deu origem ao 914/6, equipado com o motor seis cilindros 2.0 litros do 911 T, levemente ajustado para entregar 110 cv. Produzido em apenas 3.332 unidades entre 1970 e 1972, o 914/6 não conquistou grande público na época, já que por valor semelhante era possível adquirir um 911 T, mais alinhado ao imaginário tradicional do que se esperava de um Porsche. No entanto, a versão com motor de 911 ajudou a fortalecer a reputação do 914 de quatro cilindros, que atualmente é celebrado por colecionadores como um dos modelos mais acessíveis e envolventes da história da marca.
O 914 tinha carroceria monobloco de aço fabricada pela Karmann e suspensão que combinava struts McPherson na dianteira com braços arrastados na traseira, além de barras estabilizadoras em versões posteriores. Pesando pouco menos de mil quilos, oferecia uma experiência de condução difícil de encontrar em esportivos contemporâneos, cada vez mais pesados. O interior minimalista, inspirado no funcionalismo do Bauhaus, destacava-se pelo painel com três instrumentos e pela ampla visibilidade à frente, já que o capô curto praticamente desaparecia da linha de visão. O teto Targa de fibra de vidro, que podia ser guardado no porta-malas traseiro, transformava a cabine em um espaço aberto e voltado à experiência ao ar livre.


Ao longo de sua produção, a capacidade do motor Volkswagen boxer com injeção eletrônica variou entre 1,7, 1,8 e 2,0 litros, com potências de aproximadamente 80, 85 e 100 cv. O câmbio manual Porsche 901 de cinco marchas complementava a configuração, enquanto uma transmissão semi-automática Sportomatic de quatro velocidades foi oferecida na versão 914/6, mas teve baixa adesão. Uma diferença visual marcante entre as versões era o número de porcas de fixação das rodas: quatro no 914/4 e cinco no 914/6. Como muitos veículos da década de 1970, as exigências de segurança afetaram o design nos modelos de 1975 e 1976, que receberam para-choques de borracha volumosos.
Com o passar dos anos, o 914 tornou-se um campo fértil para modificações. Muitos exemplares receberam rodas e freios atualizados, motores de 911 e conversões de carroceria inspiradas nos 914/6 GT de competição. Uma dessas transformações foi legitimada pela própria Porsche por meio do pacote M471, oferecido para o 914/6 entre 1971 e 1972. O kit incluía saias laterais de fibra de vidro alargadas, painéis frontais de aço moldados à mão e para-lamas mais largos, elementos que remetiam ao universo das pistas. Custando 1.375 dólares na época e com apenas 23 unidades produzidas pela fábrica, o M471 é hoje uma das variações mais raras já fabricadas pela Porsche.

Embora a Porsche tenha produzido aproximadamente 400 kits M471 adicionais para atender às exigências da SCCA, que demandava um mínimo de 500 exemplares para homologação, não há registros precisos sobre quantos foram efetivamente instalados. Essa abertura fomentou uma cultura de personalização que persiste até hoje, com diversos 914 modificados para emular os modelos de corrida.
Atualmente, a valorização do 914 acompanha a tendência crescente de interesse por clássicos com histórias singulares. Modelos 1,7 litro em bom estado podem ser adquiridos por menos de 20 mil dólares, enquanto exemplares restaurados em padrão de concurso superam os 70 mil dólares. Os 914/4 com motor 2,0 litros, mais cobiçados, variam entre 30 mil e 100 mil dólares, enquanto o 914/6 ocupa uma categoria à parte, alcançando valores em torno de 80 mil dólares em bom estado e ultrapassando 160 mil dólares em leilões de exemplares impecáveis. Hoje, o modelo é visto não apenas como um experimento ousado da Porsche, mas como um ícone que traduz a busca por leveza, inovação e uma forma distinta de prazer ao volante.