Los Angeles costuma ser descrita como uma cidade impossível de resumir, e talvez por isso seja tão sedutora. Ela se esconde atrás de muros brancos, se revela em recortes de palmeiras contra o céu e, principalmente, se deixa descobrir no deslocamento, quando a paisagem muda a cada semáforo e cada bairro parece ter sua própria trilha sonora. Às vésperas do Vogue World: Hollywood, marcado para 26 de outubro nos Paramount Pictures Studios, o encontro entre moda e cinema ganha mais um capítulo em uma cidade que sempre soube transformar imagem em linguagem e estilo em narrativa.
Para entrar no clima desse Los Angeles que não é de cartão-postal, e sim de referências, desejos e pequenos rituais, a Vogue convidou Kate Bowman, escritora, modelo e designer à frente da marca Kitten. Nova-iorquina de nascimento e losangelina por escolha, ela conduz um roteiro afetivo que fala menos de “pontos turísticos” e mais de atmosfera. Uma LA vista pelos rastros de Joan Didion e Eve Babitz, autoras que mapearam a Califórnia como um estado de espírito. Bowman observa a cidade como quem lê um romance em movimento, do banco do seu jipe, com a janela aberta e a sensação de que tudo pode acontecer.

O primeiro traço desse mapa aparece à mesa, onde Los Angeles deixa de ser dispersa e vira íntima. No Petit Trois, pequena brasserie em Hollywood, o charme está no gesto simples de sentar sozinho ao balcão e ver o prato nascer diante de você, sem pressa e sem performance. Em outro registro, o Musso & Frank reafirma por que certos endereços atravessam décadas. Poltronas vermelhas, madeira escura, bartenders com humor afiado e uma elegância que não tenta ser contemporânea, apenas é. O clássico aqui não significa previsível, significa confiável, como um filme que você revê e sempre encontra uma cena nova.

Há também lugares que funcionam como trilha sonora. The Dresden, em Los Feliz, é descrito por Bowman como o bar perfeito para um encontro: acolhedor, com alguém sempre ao piano, e uma energia que mistura o casual com o cinematográfico.

E quando a cidade pede pausa, o Trails Cafe surge dentro do Griffith Park como uma espécie de refúgio culinário e botânico. Bebidas sazonais feitas com cuidado, scones de lavanda com chocolate, bancos de piquenique à sombra de carvalhos. É o tipo de parada que não compete com a natureza, conversa com ela, preparando o corpo e a cabeça para a caminhada.

Na Silver Lake Strip, o Seco traduz um sonho europeu em plena Sunset Boulevard, com vinhos leves, petiscos e um lado de fora que vira sala de jantar quando o fim de semana chega. Bowman descreve a cena com precisão: um gole de tinto frio e ácido, uma fumaça entre os dedos, uma pista improvisada ao lado do bar e DJs que fazem os locais, surpreendentemente bem-vestidos, dançarem como se a noite fosse um segredo compartilhado. Se Los Angeles é uma coleção de microclimas, o Seco é um deles, solar e noturno ao mesmo tempo.

Em Burbank, o Smoke House amplia o repertório com o glamour de estúdio que a cidade não esconde, apenas desloca. Em frente aos Warner Brother Studios, é uma steakhouse decorada por retratos de celebridades, mas o mais interessante é o ritual: sexta-feira para música ao vivo e dança, almoço de dia útil para ouvir, discretamente, os boatos corporativos que alimentam a máquina do entretenimento. Los Angeles também é isso, o bastidor como paisagem cotidiana.

Quando o assunto vira compras, Bowman aponta a Scout como um endereço que define o vintage em LA não como nostalgia, mas como presente contínuo. O proprietário, Joey Grana, aparece como curador do desejo: prata garimpada, camisetas que parecem segunda pele, jaquetas com assinatura e uma seleção de anáguas que atualiza a sensualidade com um toque de ironia. A cidade tem muitas vitrines, mas poucas com esse senso de descoberta que parece pessoal, como se a peça estivesse esperando por você.

No outro extremo do exagero, Trashy Lingerie é um ícone pop com fachada rosa e vocação para fantasia. É o tipo de loja que resolve Halloween, aniversário e aquelas noites em que a roupa precisa ser argumento. Tudo é desenhado ali, e o resultado é um equilíbrio entre provocação e humor, sexy e estranhamento, como se a própria cidade se materializasse em tecido. É uma Los Angeles que entende performance e se diverte com isso.

A mesma sensibilidade aparece no Counterpoint, que junta loja de discos e livraria em um único gesto cultural. Bowman sugere um roteiro simples e perfeito: pegar um milk-shake ao lado e se perder entre capas, lombadas e primeiras edições raras. Há algo de muito Los Angeles nesse prazer de garimpar ideias, imagens e sons no mesmo lugar, como se a cidade lembrasse que estilo também é repertório, e repertório se constrói com tempo.

Entre as atrações, o Griffith Park funciona como um mirante emocional. A recomendação de subir ao entardecer, estacionar perto de um palco coberto abandonado e caminhar em direção ao observatório é quase uma cena pronta. Do alto, as luzes do centro aparecem além do verde das colinas, e a cidade parece, por alguns minutos, caber dentro do olhar. Já no Hollywood Forever Cemetery, a experiência é outra: um passeio entre mitos, lápides e referências que atravessam o cinema e a música. Ali, a cidade ensina sua lição mais sofisticada, a de que memória também é espetáculo, e que até um piquenique pode virar ritual quando o telão do Cinespia se acende sob as estrelas.

No campo da arte, Gaylord Fine Arts e Velaslavasay Panorama surgem como antídotos para a pressa. No primeiro, a ideia de marcar visita e beber um drink logo abaixo, no HMS Bounty, reforça o prazer de viver a cultura como encontro. No segundo, um panorama pintado à mão em 360 graus oferece uma fuga imersiva, uma viagem para fora do tempo dentro da própria cidade. São lugares que não pedem apenas atenção, pedem disponibilidade.

Há ainda a noite que exige dress code e imaginação. O Magic Castle, com jantar e espetáculo, transforma a elegância em jogo, e Bowman resume a regra de ouro: exagerar. Já o New Theater Hollywood, pequeno e inquieto, representa a LA contemporânea que não vive só de franquias e tapetes vermelhos, mas de experimentação, texto, música e risco. Uma cidade que, quando quer, é mais punk do que polida.

Nos extras, o roteiro revela seu charme mais particular. O Larchmont Beauty Center é descrito como a alegria de uma farmácia francesa transplantada para Los Angeles, com skincare, acessórios e pequenos impulsos que fazem parte do prazer de viajar. A Photo Impact, laboratório de revelação e impressão, aparece como templo para quem acredita que imagem é matéria séria.

E então vem a dica que amarra tudo, quase como um manifesto: o melhor lugar da cidade é o carro. Porque em Los Angeles, o romance acontece em movimento, nas ruas de superfície, com música alta, janelas abertas e a certeza de que o caminho, muitas vezes, é o próprio destino.

No fim, a lista de Kate Bowman não é apenas um guia de endereços. É uma proposta de olhar. Los Angeles, nesse recorte, se revela como uma cidade feita de cenas pequenas e escolhas precisas, onde o cool não está no óbvio, mas na maneira como se vive. Entre uma brasserie e um cemitério, uma loja vintage e um teatro minúsculo, ela mostra que a verdadeira sofisticação não grita. Ela sugere, conduz e, quando você percebe, já virou história.