O Nissan Kicks 2026 inaugura um capítulo mais ambicioso para o SUV compacto da marca no Brasil. A mudança de geração trouxe a plataforma CMF-B e com ela um salto em proporções, acabamento e tecnologia embarcada. A carroceria ficou mais musculosa, a assinatura luminosa em LED ganhou presença e a traseira com lanternas interligadas por aplique em black piano confere ares de produto mais caro. Na versão Platinum, que parte de R$ 199 mil, a estratégia é clara. A Nissan aproxima o Kicks do território dos SUVs médios em percepção de valor e recheio, ainda que o trem de força permaneça ancorado no motor 1.0 turbo flex de três cilindros.
O desenho convence no primeiro olhar. Para-lamas alargados, rodas diamantadas de 19 polegadas e superfícies bem resolvidas criam uma silhueta elegante sem dispensar robustez urbana. Medidas também ajudam na presença. São 4,36 m de comprimento, 1,80 m de largura, 1,62 m de altura e 2,65 m de entre-eixos, com vão livre de 20 cm que protege nas valetas e rampas de garagem. O porta-malas de 470 litros figura entre os maiores do segmento e o tanque de 48 litros favorece deslocamentos rodoviários com paradas menos frequentes.

O interior é o ponto de maior transformação. O painel combina materiais sintéticos agradáveis ao toque com áreas de tecido e plásticos rígidos onde faz sentido racionalizar. Na Platinum, o conjunto de telas assume papel de protagonista. Há quadro de instrumentos digital de alta definição e multimídia com Android Auto e Apple CarPlay sem fio. Em versões mais completas, cada tela tem 12,3 polegadas e, lado a lado, criam a sensação de um painel único de 24,6 polegadas que saúda os ocupantes na abertura. O carregador por indução está presente, assim como ar-condicionado digital e freio de estacionamento eletrônico. Faltam, porém, dois itens que pesam em um produto de duzentos mil reais. Ajustes elétricos para os bancos dianteiros e saídas de ar para a segunda fileira. O primeiro impacta ergonomia fina, o segundo compromete o bem-estar térmico dos passageiros traseiros em dias quentes.
O pacote de conveniência e conectividade é generoso. Teto solar panorâmico amplia a luminosidade da cabine. O sistema de som Bose com alto-falantes integrados ao encosto dos bancos dianteiros cria uma cena sonora interessante, embora exija volumes mais altos para oferecer graves mais cheios. O sistema de câmeras 360 graus é um aliado real na cidade e inclui a visão dedicada da roda dianteira, valiosa para evitar arranhões em guias. Na ergonomia, o Kicks adota comando de câmbio por botões no console central. A solução libera espaço e dá um ar minimalista, mas pede um breve período de adaptação a quem vem de alavancas tradicionais.

Em segurança ativa, a evolução é substancial. O pacote de assistências inclui frenagem autônoma de emergência, alerta de tráfego cruzado, centralização de faixa e controle de cruzeiro adaptativo com função de para e anda. O conjunto ProPilot, de condução semiautônoma de Nível 2, trabalha de modo progressivo e sem solavancos, mantendo o Kicks alinhado e regulando distância na via com naturalidade. É um diferencial importante no uso diário e um argumento de peso frente a rivais de proposta premium entre os compactos, como Creta Ultimate e HR-V Touring.
Sob o capô, todas as versões usam o mesmo conjunto mecânico. O motor 1.0 turbo flex de três cilindros, fornecido pela Horse e já conhecido do Renault Kardian, entrega 125 cv e 22,4 kgfm com etanol, ou 120 cv e 20,4 kgfm com gasolina, sempre a 5.600 rpm e 2.500 rpm para o pico de torque. A transmissão é automatizada de dupla embreagem com seis marchas, banhada a óleo, e tração dianteira. Na prática, o Kicks responde bem ao primeiro toque do acelerador e executa retomadas com competência no ambiente urbano. Em rotações mais altas, o som típico de três cilindros aparece, sem invadir a cabine a ponto de fatigar. Os números oficiais falam em 0 a 100 km/h em 12,4 s e velocidade máxima de 185 km/h. No consumo, os dados do Inmetro registram 11,7 km/l na cidade e 14,3 km/l na estrada com gasolina, 8,3 e 9,9 km/l com etanol. Em medições de uso real em rodovia, é possível ver médias em torno de 15 km/l, resultado que coloca o Kicks em patamar competitivo até contra alguns híbridos leves.

O acerto dinâmico privilegia conforto e previsibilidade. A direção com assistência elétrica é leve em manobras e ganha o peso certo em velocidade. A suspensão dianteira McPherson com barra estabilizadora e o eixo de torção atrás filtram as irregularidades de maneira eficiente, porém as rodas de 19 polegadas com pneus 225/45 trazem um viés mais seco em pisos maltratados. Quem prioriza o rodar macio pode preferir a versão Sense com rodas menores. Os freios a disco ventilado na frente e sólidos atrás cumprem o papel com progressividade no pedal. Em viagens, a estabilidade direcional é exemplar para um compacto alto, ajudada pelo entre-eixos mais longo e pelo trabalho do controle eletrônico de estabilidade.
A vida a bordo segue a linha de um compacto evoluído. Os bancos dianteiros sustentam bem lombar e ombros e o isolamento vibroacústico foi melhorado. Os passageiros traseiros se beneficiam do espaço de pernas digno para dois adultos e uma criança no centro, mas sentem falta das saídas de ar dedicadas. Porta-objetos são suficientes e há recarga por indução, tomada USB e boa integração com smartphones, desde que se cuide do aquecimento natural do celular nesse tipo de carregamento. Em trilhas urbanas, a câmera de visão da roda é um bálsamo para a ansiedade de quem zela pelas rodas diamantadas.

No balanço de equipamentos, a Platinum empilha atrativos. Teto panorâmico, ADAS amplo, som assinado, acabamento mais caprichado e a estética que rende olhares na rua. Do outro lado da balança, pesam a ausência de ajustes elétricos, a falta das saídas de ar traseiras, o rodar mais seco imposto pelo aro 19 e, sobretudo, a relação entre preço e desempenho. Ao beirar os R$ 200 mil, o Kicks encosta em SUVs médios que oferecem mais espaço útil e conjuntos mecânicos mais vigorosos, ainda que nem sempre com a mesma lista de tecnologia de conforto e assistência.
Há também a variável do custo-benefício interno à própria gama. A versão Sense custa cerca de R$ 35 mil a menos, mantém o mesmo trem de força e entrega um pacote honesto de conveniência. Para quem deseja a melhor combinação entre conforto de rodagem e preço, a Sense é sedutora. Para quem valoriza a estética mais sofisticada, as telas maiores, o teto panorâmico e o pacote completo de assistências, a Platinum é a que conversa com o desejo, mesmo pedindo concessões na racionalidade.

Ficha técnica resumida para contextualizar o leitor. Motor três cilindros 999 cm³ turbo flex com 125 cv e 22,4 kgfm no etanol e 120 cv e 20,4 kgfm na gasolina. Câmbio de dupla embreagem de seis marchas. Tração dianteira. Suspensão dianteira McPherson e traseira por eixo de torção, ambas com barra estabilizadora. Freios a disco ventilado na dianteira e sólido na traseira. Pneus 225/45 R19 com estepe 185/65 R15. Peso de 1.336 kg. Porta-malas de 470 litros. Aceleração de 0 a 100 km/h em 12,4 s e máxima de 185 km/h. Consumo com gasolina de 11,7 km/l na cidade e 14,3 km/l na estrada.
Veredicto. O novo Kicks evoluiu em quase tudo que salta aos olhos e aos dedos. Impõe presença, capricha na cabine, traz um pacote de assistência maduro e mima o condutor com recursos que fazem diferença no dia a dia. O coração, porém, segue modesto para o patamar de preço, entregando apenas o suficiente em performance. Se a razão orientar a compra, a versão Sense entrega a essência do projeto por menos. Se o desejo falar mais alto, a Platinum atende com estilo e tecnologia, desde que o comprador aceite que, por baixo da maquiagem bem-feita, ainda pulsa um conjunto mecânico mais preocupado com eficiência do que com emoção.