A cada ano, o anúncio da Cor do Ano pela Pantone movimenta o universo do design. Em 2026, porém, a reação foi ainda mais intensa. Cloud Dancer, um branco aerado e levemente cremoso, surgiu como protagonista de um debate que ultrapassa a paleta cromática e avança sobre questões culturais, ideológicas e simbólicas. Em um cenário pós-Mocha Mousse e Peach Fuzz, a eleição de um branco aparentemente neutro desencadeou surpresa, perplexidade e discussões inflamadas. Nas redes sociais, alguns profissionais chegaram a queimar catálogos da Pantone como gesto performático de desaprovação.
Descrito pela própria marca como um branco elevado que sugere calma em meio ao ruído contemporâneo, Cloud Dancer gerou exatamente o oposto do silêncio proposto. Designers, curadores e especialistas em cor vieram a público questionar, defender ou reinterpretar a decisão. Entre eles, vozes influentes do design internacional ofereceram perspectivas que revelam camadas profundas de leitura para um tom que, apesar de pálido, está longe de ser inofensivo.

A curadora Priya Khanchandani, ex-integrante do Design Museum em Londres, analisou publicamente o significado político e simbólico de se eleger o branco como síntese de um ano que se inicia. Em sua interpretação, a escolha ignora discussões essenciais sobre representação, diversidade e expressividade. Ela relembra que obras como Chromaphobia, de David Batchelor, já denunciaram a forma como o Ocidente historicamente associou cores vibrantes a infantilidade, feminilidade ou extravagância, reduzindo o valor do cromático em nome de um suposto bom gosto minimalista. Para Khanchandani, a rejeição da cor é um gesto que ultrapassa a estética e toca diretamente a ideologia. Em suas palavras, cor é uma afirmação de identidade. Ela reforça que parecem existir momentos da vida em que o branco jamais seria escolhido como favorito por alguém que está descobrindo o mundo, e isso por si só revela um recado implícito sobre o que a sociedade valoriza e o que invisibiliza.
Sua crítica ganha força no contexto político atual. Em países como o Reino Unido, onde o nacionalismo branco cresce e retrocessos na representatividade se tornam cada vez mais concretos, a celebração de um branco como símbolo anual de referência visual soa, para ela, desconectada do momento histórico. A escolha poderia ter sido oportunidade para celebrar a pluralidade cromática, segundo sua visão, e não um gesto que ecoa neutralidade.

Mas a leitura não é unânime. A designer de têxteis e cores Margrethe Odgaard enxerga em Cloud Dancer uma delicadeza capaz de provocar reflexão sensorial. Para ela, trata-se de um branco vivo e consciente, distante dos brancos industriais e calibrados que dominaram o design nas últimas décadas. O tom cremoso e levemente quente remete aos brancos minerais característicos de paredes caiadas, onde sombras ganham vida e a luz se espalha de maneira orgânica. Odgaard interpreta o tom como convite ao despertar da percepção, uma sugestão para redescobrir nuances que conectam o olhar ao mundo natural. Em sua perspectiva, Cloud Dancer não é ausência, mas presença sutil. É um lembrete para olhar para os brancos que respiram e para os tons que acolhem, em vez daqueles que se impõem por rigidez.
O designer Julien Sebban, do estúdio Uchronia, também reconhece a surpresa ao ver o branco ocupar o posto de Cor do Ano. Sua trajetória, marcada por paletas exuberantes e colaborações cromaticamente ousadas, torna ainda mais evidente sua posição crítica. Para ele, branco é ponto de partida, não declaração. É base, não manifesto. Ele observa que a adoção de branco ou preto como referência anual parece refletir um movimento global em direção à homogeneização e à busca pela segurança do neutro. Em um mundo onde a criatividade e a diversidade se mostram urgentemente necessárias, o avanço de uma estética internacional beige e a celebração de um branco como símbolo de um novo ciclo podem soar como um retrocesso emocional e cultural.

Giulio Ridolfo, um dos mais reverenciados designers de cor da atualidade, oferece uma abordagem mais afetiva. Ele enxerga o branco como parte constante da vida, algo que acompanha culturas, rituais e geografias. Em sua memória, surgem brancos de significados distintos, desde o tom usado em sinais de luto em diferentes regiões da Ásia até o branco luminoso das ilhas gregas ou ainda o branco delicado das cerâmicas tradicionais. Ele revela preferir encontrar seus próprios brancos na natureza, evitando os padrões industrializados. Em vários momentos da conversa, descreve o branco como uma espécie de roda veloz, sempre em movimento, sempre transformando o modo como percebemos o espaço.
A leitura final recai novamente sobre Odgaard, que identifica no branco uma simbologia universal de paz. O branco da bandeira que anuncia trégua. O branco dos rituais que procuram recompor o espírito. Em sua visão, Cloud Dancer pode também ser lido como um gesto discreto de esperança em um mundo fragmentado.
A escolha da Pantone, portanto, ultrapassa o campo das tendências visuais. Ela expõe tensões contemporâneas, provoca discursos e revela como mesmo uma cor aparentemente silenciosa pode carregar narrativas profundas. Cloud Dancer não é apenas um branco. É um espelho do nosso tempo, aberto a múltiplas interpretações, confrontos e desejos.