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Por dentro do universo do mezcal: uma jornada sensorial por Oaxaca

Há quem veja o mezcal apenas como o primo rústico da tequila. Mas bastam alguns goles para perceber que esse destilado mexicano é, na verdade, uma síntese refinada entre natureza, cultura e engenhosidade humana. Enquanto a tequila é a alma da festa, o mezcal é o pensador na penumbra, aquele que revela suas histórias lentamente, camada por camada, num ritual de paciência e descoberta.

Ambos nascem do agave, mas o mezcal carrega em si uma ancestralidade mais ampla e diversa. A tequila se limita à variedade Blue Weber e a regiões específicas como Jalisco; o mezcal floresce em mais de quarenta espécies de agave espalhadas por nove estados, com Oaxaca como seu epicentro espiritual. Em fornos subterrâneos forrados de pedra vulcânica, os mestres mezcaleros assam os corações da planta, chamados piñas, antes de fermentar e destilar. O resultado é uma bebida que traduz o território em que nasce, o solo, a altitude, a planta e as mãos que a transformam.

Para Iván Saldaña, fundador e mestre destilador do Montelobos Mezcal, o segredo do mezcal está no cruzamento entre ciência e arte. Antes de criar a marca, ele passou anos estudando o agave e fez um doutorado sobre o estresse das plantas. A pesquisa o levou a compreender que a resistência do agave ao deserto se expressa também em aromas e sabores. “Descobri que muito do conhecimento químico que eu tinha poderia se traduzir em experiências sensoriais”, contou. Dessa observação nasceu um olhar que une o rigor científico à poética do paladar.

Cada espécie de agave imprime uma identidade única ao destilado. O Espadín, mais comum e equilibrado, oferece notas cítricas e defumadas. O Tobala, de crescimento selvagem, exala nuances florais e terrosas. O Tepeztate é herbáceo e mineral, enquanto o Arroqueño traz densidade e doçura amanteigada. A diversidade química dessas plantas é tão vasta que, segundo Saldaña, nenhum laboratório conseguiria decifrar completamente a composição de uma única gota de mezcal.

Beber mezcal é, antes de tudo, um exercício de atenção. Não se trata de virar o copo com uma fatia de limão, mas de saborear lentamente, de preferência puro, em pequenas taças de barro chamadas copitas. O mezcal convida à contemplação, revelando novas camadas a cada gole. Os iniciantes são aconselhados a começar por rótulos equilibrados como Montelobos Espadín, Ilegal Joven ou Bozal Ensamble, e a encarar cada degustação como uma aula sobre o México e sua biodiversidade.

A ascensão global do mezcal, porém, trouxe novos desafios. À medida que o mundo se encanta por seu sabor defumado e sua aura artesanal, cresce a preocupação com a sustentabilidade. O agave leva até sete anos para amadurecer, e a lenha usada nos fornos pode contribuir para o desmatamento. Em Oaxaca, o Montelobos cultiva seu próprio agave de forma orgânica e utiliza madeira proveniente apenas de florestas certificadas. É um compromisso que reflete a responsabilidade de um setor que busca expandir sem comprometer suas raízes.

Hoje, o mezcal ocupa um espaço de reverência na coquetelaria e na cultura contemporânea. Está presente em receitas clássicas como o Mezcal Negroni ou o Mezcal Old Fashioned, mas também em momentos de introspecção, quando um gole basta para conectar o bebedor ao território mexicano e à sabedoria de seus produtores.

O mezcal não é apenas uma bebida. É uma experiência que liga o intelectual ao sensorial, o passado ao presente, o homem à paisagem. Em cada copo repousa uma história de resistência, paciência e criação. E quando se compreende isso, o mezcal deixa de ser um destilado exótico para se tornar um símbolo vivo da alma mexicana.

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