Em Berlim, um restaurante desafia o tempo, o paladar e as fronteiras entre o doce e o salgado. No CODA, comandado por René Frank, a confeitaria ganha protagonismo absoluto. E o faz sem açúcar.
Entre os bairros vibrantes de Neukölln e Kreuzberg, onde grafites ocupam fachadas e ideias circulam com velocidade, um endereço discreto abriga uma das experiências gastronômicas mais ousadas da atualidade. O CODA Dessert Dining propõe algo inusitado: um menu degustação composto apenas por pratos elaborados com técnicas da confeitaria, mas sem jamais se render ao açúcar refinado. O doce, aqui, é natural. E se mistura livremente com o salgado, o ácido, o amargo e o umami.

René Frank, nascido em Baden-Württemberg, é o nome por trás do projeto. Começou cedo na confeitaria, passou por cozinhas estreladas na França, na Espanha, no Japão e nos Estados Unidos. Conquistou três estrelas Michelin como chef de pâtisserie no restaurante La Vie, em Osnabrück, e decidiu então dar início à própria jornada. Em 2016, fundou o CODA com o sócio Oliver Bischoff. O que começou como um bar de sobremesas rapidamente se transformou em um restaurante singular, premiado com uma estrela Michelin em 2018 e com duas em 2020. Em 2022, Frank foi eleito Melhor Chef Confeiteiro do Mundo pelo júri do World’s 50 Best.
Mas para Frank, confeitaria não é sobre finalização. É sobre estrutura, precisão e criação. Ele insiste em uma distinção importante. CODA não é um restaurante que serve sobremesas. É um restaurante onde as melhores técnicas da confeitaria são aplicadas à cozinha como um todo. No passe, a chef executiva Julia Leitner alinha seis balanças de precisão. Pesos, temperaturas e tempos são seguidos com rigor quase científico. Cada etapa do menu é pensada com o mesmo cuidado meticuloso que se espera de um bom pâtissier.


O menu degustação tem entre 15 e 16 etapas e evita açúcares industrializados, leite e manteiga. O doce vem de vegetais, cereais, frutas secas, ervas, pequenas fermentações. Ingredientes como beterraba, batata-doce, cenoura, berinjela, trigo, arroz, amêndoas e nozes compõem pratos que cruzam categorias. Há texturas crocantes e cremosas. Há camadas de sabor que surpreendem e desafiam.
A refeição pode começar com um gummy bear de beterraba, um pequeno “beefcake” de batata-doce ou um donut de brioche com Gouda e caramelo de nabo. Depois surgem combinações inesperadas como tomate amarelo com grão-de-bico e limão, berinjela com noz-pecã, balsâmico de maçã e sal de alcaçuz. Uma das criações mais comentadas é uma waffle com raclette quente e iogurte com kimchi, que se aproxima de um croque-monsieur deconstruído.

Um dos pontos altos do menu é um picolé de caviar, feito com baunilha, alcachofra congelada, nozes e 12 gramas de caviar Oscietra. Coberto com uma fina camada de ganache crocante, gelado e salgado, é ao mesmo tempo provocador e luxuoso.
A sommelier Sophia Fenger propõe harmonizações que fogem ao lugar-comum. Em vez de limitar-se aos doces Rieslings alemães, ela surpreende ao servir um Nebbiolo Roagna Rosso 2017, que equilibra a acidez dos pratos e reforça sua complexidade. O vinho acompanha bem criações como o cheesecake de aipo-rábano com café, os grissini de pele de porco caramelizada com pó de choucroute ou a sobremesa final, feita com cacaosil 76%, tofu caramelizado e creme de amêndoa extraído do caroço da fruta. Nada se perde. Tudo é transformado.

A apresentação dos pratos segue a estética da confeitaria clássica. Formatos geométricos, simetria, porções delicadas. Mas a leveza do menu vai além do visual. Com pouquíssimos laticínios e proteína animal, as etapas não sobrecarregam o corpo nem o paladar. Tudo é construído para ser leve, elegante e, ainda assim, profundamente saboroso.
Ao final da noite, Frank costuma levar os clientes à cozinha. Lá, a placa com as duas estrelas Michelin foi coberta por grafites, depois de ser pichada quando ainda estava na fachada. A imagem resume bem o espírito do restaurante. É preciso dominar as regras para poder transgredi-las. É preciso conhecer a técnica para reinventar a tradição.


No CODA, não há começo nem fim. A sobremesa não é um epílogo. É um centro de gravidade. René Frank transforma vegetais em iguarias doces, aplica métodos de confeitaria a ingredientes salgados e conduz a refeição como uma peça musical em vários atos. O nome do restaurante, aliás, tem origem na música. Coda é o trecho final de uma composição. Mas aqui, é também o seu início.